Géa é difícil???

Géa não tem palavras difíceis. Géa tem palavras melhores! Quem pensa com palavras melhores pensa melhor. E faz.

Para aqueles que, não acostumados à leitura dos clássicos, qualificam à primeira vista, sem se darem ao trabalho de lerem, Géa de “difícil”, é o meu intuito mostrar, aqui e agora, como essa “dificuldade” se transforma em beleza e é mais fácil, brilhante, sucinta e exata, para quem sabe ler.

Se você não compreende as palavras de Homero no texto a seguir, nem as minhas, logo adiante, leia por gentileza as “traduções”, sob os dois textos. Então releia os originais como se assistisse a um grande filme... e apaixone-se pelos clássicos e sua linguagem diamantina feito eu!


Textos originais:

Da Ilíada de Homero, Livro XVI, escrito há uns três mil anos:

De rojões, entretanto, Ajax vexado,
Mal se sustinha, que o domava Jove
E o dardejar contino; em torno às fontes
O elmo hórrido rouqueja, que o brilhante
Artífice cocar alvo é dos tiros.
Do pavês o ombro esquerdo já tem lasso,
Mas quedo apara a chuva de arremessos;
De anélito açodado, os membros todos
Escorrendo em suor, nem resfolgava,
Aumentando um perigo outro perigo.

De Géa de CCDB, Livro Terceiro, capítulo Longas Plumas Azuis, escrito há uns doze anos:

Do chão ferido; da cratera cavada no impacto do carro azul, surge a cerdosa crista crestada de um já não mavórtico elmo torto, deplumado e sem viseira. Ergue-se o capitel metálico. Sobe o colo táureo, altivo e nobre. Frente e costas da couraça fumegante são sacadas e de dentro da cova atiradas longe, com o laudel rasgado. Exuma-se o volumoso talhe, empolado de músculos metalinos, puxado por saxífragas mãos e braços hercúleos! Nas bicipitais cordilheiras de maciços nós a luz esfuzia! Pele rebrilhando glaciares sobre os brutos contrafortes do tórax, o corpo enorme se põe de pé; sob o lato cenho alto, os ares e o espírito sereno de um deus imortal.

"Traduções":

Homero:

De rojões (de rastos, arrastando-se pelo chão), entretanto, Ajax vexado,
Mal se sustinha (mal se agüentava), que (porque) o domava Jove (Júpiter, Zeus)
E o dardejar contino (a chuva contínua de dardos); em torno às fontes (ao redor da testa)
O elmo (o capacete) hórrido (horrível) rouqueja (produz o som da voz rouca, pois é atingido por um monte de golpes), que o brilhante
Artífice cocar alvo é dos tiros (Ajax, um herói grego - e o penacho de seu belo capacete - é alvo dos tiros, ou golpes, dos troianos).
Do pavês (escudo) o ombro esquerdo (Ajax) já tem lasso (cansado),
Mas quedo (parado, quieto) apara a chuva de arremessos (de dardos, pedras, flechas, machados e tal);
De anélito (respiração) açodado (apressado), os membros todos
Escorrendo em suor, nem resfolgava (resfolegava, respirava com esforço e ruído),
Aumentando um perigo outro perigo (cada golpe recebido era um perigo, que aumentava o perigo do próximo golpe).
 
CCDB:
 
Do chão ferido; da cratera cavada no impacto do carro azul (carro da motoquadriga do herói Umglad, puxado a turbinas de avião a jacto, que caíra ao chão do estádio chamado Quadrigódromo de Lampar), surge a cerdosa (cheia de pêlos duros) crista crestada (crista do capacete, queimada na superfície, tostada) de um já não mavórtico elmo torto (de um capacete já não parecido com o do deus Marte), deplumado (depenado, desprovido das plumas) e sem viseira (a proteção para os olhos). Ergue-se o capitel (arremate do capacete, como os dos topos das colunas) metálico. Sobe o colo (pescoço) táureo (igual ao de um touro), altivo e nobre. Frente e costas da couraça fumegante (das quais sai fumaça) são sacadas e de dentro da cova atiradas longe, com o laudel (antiga vestimenta militar acolchoada de algodão, para proteger contra golpes de espada, que o herói Umglad usava sob a armadura) rasgado. Exuma-se (desenterra-se) o volumoso talhe (o tronco, a parte superior do corpo), empolado de músculos metalinos (que parecem feitos de metal), puxado por saxífragas (que dissolvem, ou partem, ou destroem, pedras) mãos e braços hercúleos (iguais ao de Hércules)! Nas bicipitais (dos bíceps) cordilheiras (refiro-me aos músculos que parecem cordilheiras, sistemas de grandes montanhas) de maciços (palavra aqui propositadamente dúbia, porque significa "densos, compactos", mas também "conjunto de montanhas ao redor de um pico") nós (nós de músculos) a luz esfuzia (cintila, brilha feito o Sol)! Pele rebrilhando glaciares (geleiras - em sentido figurado, como se os músculos fossem montanhas e a pele fosse geleiras sobre as montanhas) sobre os brutos contrafortes (cadeias de montanhas que saem de lado, a partir de uma cadeia principal, feito as costelas saem da coluna vertebral; em sentido figurado, são as costelas e seus músculos) do tórax, o corpo enorme se põe de pé; sob o lato (amplo, largo) cenho (rosto muito sério, carrancudo) alto, os ares (o jeito, os modos, as maneiras) e o espírito sereno (tranqüilo) de um deus imortal (nem todos os deuses são imortais).

E agora?

E agora? Vale ou não vale a pena essa "dificuldade" toda? Ela é que transforma um texto num clássico, naquilo que perdura, que ainda se lê, passados três milênios. Ou será que o Brasil de hoje está e faz questão de ficar mais ainda no passado, uns três mil anos antes de Homero?

Note que, se você substituir as palavras pelas traduções; além de ficarem mais compridos, feios, confusos e cansativos; ambos os textos perdem muito! Mas note outrossim (também) que Géa não é inteira escrita com textos assim "difíceis": ela adrede (de propósito) o foi (foi escrita) com uma "dificuldade" crescente, que por si mesma ensina a Leitora, o Leitor, a ler. Quem, lendo os livros anteriores de Géa, chega ao texto apresentado acima já estará apto (preparado para, capacitado) a lê-lo com facilidade e prazer bem maior do que se esse texto estivesse logo no início do Livro Primeiro.

Note ainda: estou escrevendo* a Série Infanto-juvenil não apenas para crianças; sim, para aqueles que preferem ler os textos "fáceis". Porém, nessa série, de um jeito mais brincalhão, vou ensinando o jovem Leitor a ler e tentando atrair para os clássicos aqueles preferentes (aqueles que preferem os textos "fáceis").

Um escritor que escreve para analfabetos produz analfabetos.

Perdoe-me e compreenda-me a dureza, você, que sabe ler.

"Géa não tem palavras difíceis. Géa tem palavras melhores! Quem pensa com palavras melhores pensa melhor. E faz."

- CCDB 23-02-2005

* Nota de CCDB em 18-05-2006: já terminei de escrever (e ilustrar) a Série Infanto-juvenil, cujo nome é Geínha.

Leia aqui um texto de Géa em que Arqueu fala "difícil", seguido de outro em que ele fala "fácil".

Saiba mais sobre os diálogos de Géa!


GÉA É SONORA!

O motivo para o emprego de palavras nobres, melhores (e, não, "difíceis"), no escrito Géa não é "apenas" o ventilado acima. Entre os muitos propósitos da escrita dessa obra superna, e nas esferas ou camadas superpostas em que tais propósitos se enconcham, está o do SOM!

Géa é sonora!!! Sonoríssima!!! Leia isto em voz alta! Leia também o texto que se acha sob esta ilustração! Leia e ouça isto! Leia estes excertos! Leia todos os textos sob as ilustrações de Géa neste sítio! Leia alto Géa inteira!

Eu a escrevi e a fui deletreando; em seguida, lento e lento lendo, aperfeiçoando-lhe a fluidez do texto; então a reli mais rápido, melhorando-o; aí, em leitura inda mais veloz, remelhorei-o, para dotá-lo, no mais alto grau, daquilo que é um dos meus grandes deleites, que a vida nunca deletará: a "deleitura" do SOM!...

- CCDB 10-06-2007

Não sou só eu quem fala da sonoridade de Géa - CCDB


MAS GÉA TAMBÉM É FÁCIL!!!

- CCDB 24-08-2006


Um pouquinho mais de Homero?

E que tal Vergílio?


ESCADA EM DOIS LANCES PARA O MELHOR VERNÁCULO!

Há quem pense que Géa é difícil. Além de tudo quanto por si só significa, Geínha foi projetada para servir de escada, degraus ajustados com alta precisão, para ir iniciando a Leitora e o Leitor na língua portuguesa e os habilitar a ler Géa com toda a facilidade.

Géa também foi assim projetada e é a escada, a partir do patamar alcançado em Geínha, rumo ao nível máximo do nosso vernáculo.

Embora se complementem nesse propósito didático, Géa e Geínha são obras completas e independentes - não é preciso ler uma para ler a outra.

O livro )que(, de vocabulário facílimo, também dispensa a leitura de Géa e de Geínha, conquanto convenha ler-se logo após Géa, pois foi escrito depois. - CCDB


 

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Um dia o Brasil alcança o Zurro

Relaxando ontem na "cama" do assalto, lá fui eu me meter ao intrépido ato de ligar o televisor (o aparelho que os bandidos desprezaram), para entreter os olhos cansados e, quem sabe? descobrir algo inesperado.

Não deu outra...

Com um bando de bailarinas sentadas dando fundo à cena, lá estava Sílvio Santos a conduzir uma competição em que dois concorrentes deviam descobrir qual palavra estaria oculta no envelope que esse apresentador tinha nas mãos. A descoberta dependia de palavras que Sílvio dava como "dicas", e o limite delas era de três.

Com a primeira e a segunda palavra, nenhum dos dois concorrentes descobriu o segredo. Com a terceira... também não.

Ei-las, as palavras; ei-las, as "dicas": animal, grande e zurra.

Pela vez primeira, vi um Sílvio Santos decepcionado... mas ele nunca desiste; então chamou o pessoal do auditório, que se dispôs em fila no corredor entre os assentos e pôs a adivinhar a palavra do envelope... Sim, adivinhar, porque consultar sua vasta memória nenhuma pessoa conseguia - e raciocinar... muito menos.

Chamadas umas trinta pessoas, Sílvio já parecia um velho, assaz cansado mesmo da vida. Mas nosso herói apresentador de tantas batalhas não desistiu! Chamou as bailarinas! E todas de um lado sacudiram as lindas cabeças... Chamou as do outro lado... idem. Ninguém no auditório, a não ser o grande apresentador, possuía a resposta.

Enfim, com o semblante da mais profunda desilusão, Sílvio exibia o desapontamento de quem acabava de revelar a qualidade do público que freqüenta o seu auditório. Mas esse público era da cidade de São Paulo! Estava bem vestido! Decerto muitas pessoas ali cursavam uma universidade! Não eram moradores de rua; e bandidos, claro que não - porque estes sabem tudo de tudo neste país.

Súbito, depois de se formarem e esgotarem numerosas filas perante o microfone, uma abençoada menina proclama - mas em tom de pergunta... o nome do animal grande que zurra...

Parabéns, Sílvio Santos, pela coragem de indagar coisa tão difícil e arriscar o bom nome do seu programa. Parabéns, ó magnífico apresentador! por seguir na luta e se levantar das quedas.

Umas cinqüenta pessoas (com trema e tudo da boa e velha ortografia) tentaram e não lograram descobrir qual era o animal grande que zurrava. E olhe que ofenderam a cinqüenta outros animais - sem faltar o pavão! ao sugerirem, de uma em uma, qual seria aquele que zurrasse.

Até o rei - sua majestade, o Leão - recebeu ali um coice na cara, mais desrespeitado em sua nobre imagem do que pelo pessoal da Receita Federal, o qual se lhe esconde por detrás da nobilíssima juba para intimidar o Brasil.

Por essas e outras é que "Géa é difícil" neste país, em cujos auditórios meia centena de animais racionais não sabe qual é o animal grande que zurra.

Também tenho a sua fé, amado Sílvio! Ou nem teria zurrado os meus livros em português.

Um dia o Brasil alcança o Zurro...

- CCDB 26-10-2009



 

 


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