Textos originais:
Da Ilíada de Homero,
Livro XVI, escrito há uns três mil anos:
- De rojões, entretanto, Ajax vexado,
- Mal se sustinha, que o domava Jove
- E o dardejar contino; em torno
às fontes
- O elmo hórrido rouqueja, que o
brilhante
- Artífice cocar alvo é dos tiros.
- Do pavês o ombro esquerdo já tem
lasso,
- Mas quedo apara a chuva de arremessos;
- De anélito açodado, os membros
todos
- Escorrendo em suor, nem resfolgava,
- Aumentando um perigo outro perigo.
De Géa de CCDB, Livro
Terceiro, capítulo Longas Plumas Azuis, escrito há uns doze anos:
Do chão ferido; da cratera cavada
no impacto do carro azul, surge a cerdosa crista crestada de um já não
mavórtico elmo torto, deplumado e sem viseira. Ergue-se o capitel metálico.
Sobe o colo táureo, altivo e nobre. Frente e costas da couraça fumegante
são sacadas e de dentro da cova atiradas longe, com o laudel rasgado. Exuma-se
o volumoso talhe, empolado de músculos metalinos, puxado por saxífragas
mãos e braços hercúleos! Nas bicipitais cordilheiras de maciços nós a luz
esfuzia! Pele rebrilhando glaciares sobre os brutos contrafortes do tórax,
o corpo enorme se põe de pé; sob o lato cenho alto, os ares e o espírito
sereno de um deus imortal.
"Traduções":
Homero:
- De rojões (de
rastos, arrastando-se pelo chão), entretanto,
Ajax vexado,
- Mal se sustinha (mal
se agüentava), que (porque) o domava Jove (Júpiter,
Zeus)
- E o dardejar contino (a
chuva contínua de dardos); em torno às fontes (ao redor da testa)
- O elmo (o
capacete) hórrido (horrível) rouqueja (produz o som da voz rouca, pois
é atingido por um monte de golpes), que o
brilhante
- Artífice cocar alvo é dos tiros (Ajax, um herói grego - e o penacho de seu
belo capacete - é alvo dos tiros, ou golpes, dos troianos).
- Do pavês (escudo) o ombro esquerdo (Ajax) já tem lasso (cansado),
- Mas quedo (parado,
quieto) apara a chuva de arremessos (de
dardos, pedras, flechas, machados e tal);
- De anélito (respiração) açodado (apressado),
os membros todos
- Escorrendo em suor, nem resfolgava (resfolegava, respirava com esforço e ruído),
- Aumentando um perigo outro perigo (cada golpe recebido era um perigo, que aumentava
o perigo do próximo golpe).
-
- CCDB:
-
- Do chão ferido; da cratera cavada
no impacto do carro azul (carro da motoquadriga
do herói Umglad, puxado a turbinas de avião a jacto, que caíra ao chão
do estádio chamado Quadrigódromo de Lampar),
surge a cerdosa (cheia de pêlos duros) crista
crestada (crista do capacete, queimada na
superfície, tostada) de um já não mavórtico
elmo torto (de um capacete já não parecido
com o do deus Marte), deplumado (depenado,
desprovido das plumas) e sem viseira (a
proteção para os olhos). Ergue-se o capitel (arremate do capacete, como os dos topos das
colunas) metálico. Sobe o colo (pescoço) táureo (igual ao de um touro),
altivo e nobre. Frente e costas da couraça fumegante (das
quais sai fumaça) são sacadas e de dentro
da cova atiradas longe, com o laudel (antiga
vestimenta militar acolchoada de algodão, para proteger contra golpes de
espada, que o herói Umglad usava sob a armadura) rasgado. Exuma-se (desenterra-se) o
volumoso talhe (o tronco, a parte superior
do corpo), empolado de músculos metalinos (que parecem feitos de metal),
puxado por saxífragas (que dissolvem, ou partem,
ou destroem, pedras) mãos e braços hercúleos (iguais ao de Hércules)!
Nas bicipitais (dos bíceps) cordilheiras (refiro-me aos músculos que parecem
cordilheiras, sistemas de grandes montanhas) de maciços (palavra aqui propositadamente
dúbia, porque significa "densos, compactos", mas também "conjunto
de montanhas ao redor de um pico") nós (nós de músculos) a luz esfuzia (cintila, brilha feito o Sol)!
Pele rebrilhando glaciares (geleiras - em
sentido figurado, como se os músculos fossem montanhas e a pele fosse geleiras
sobre as montanhas) sobre os brutos contrafortes (cadeias de montanhas que saem de lado, a
partir de uma cadeia principal, feito as costelas saem da coluna vertebral;
em sentido figurado, são as costelas e seus músculos) do tórax, o corpo enorme se põe de pé; sob o lato (amplo,
largo) cenho (rosto
muito sério, carrancudo) alto, os ares (o
jeito, os modos, as maneiras) e o espírito
sereno (tranqüilo) de um deus imortal (nem todos os deuses são
imortais).
E agora?
E agora? Vale ou não vale a pena essa "dificuldade"
toda? Ela é que transforma um texto num clássico, naquilo que perdura,
que ainda se lê, passados três milênios. Ou será que o Brasil de hoje está
e faz questão de ficar mais ainda no passado, uns três mil anos antes de
Homero?
Note que, se você substituir as palavras pelas traduções;
além de ficarem mais compridos, feios, confusos e cansativos; ambos os
textos perdem muito! Mas note outrossim (também) que Géa não é inteira escrita com textos assim "difíceis":
ela adrede (de propósito) o foi (foi escrita) com uma "dificuldade"
crescente, que por si mesma ensina a Leitora, o Leitor, a ler. Quem, lendo
os livros anteriores de Géa, chega
ao texto apresentado acima já estará apto (preparado para, capacitado)
a lê-lo com facilidade e prazer bem maior do que se esse texto estivesse
logo no início do Livro Primeiro.
Note ainda: estou escrevendo* a Série
Infanto-juvenil não apenas para crianças; sim, para aqueles que preferem ler os textos "fáceis". Porém, nessa série, de
um jeito mais brincalhão, vou ensinando o jovem Leitor a ler e tentando
atrair para os clássicos aqueles preferentes (aqueles que preferem os textos
"fáceis").
Um escritor que escreve para
analfabetos produz analfabetos.
Perdoe-me e compreenda-me a dureza, você, que sabe ler.
"Géa não tem palavras difíceis. Géa tem palavras melhores! Quem pensa com palavras melhores pensa melhor. E faz."
- CCDB 23-02-2005
* Nota de CCDB em 18-05-2006: já terminei de escrever (e ilustrar) a Série Infanto-juvenil, cujo nome é Geínha.
Leia aqui um texto de Géa em que Arqueu fala "difícil", seguido de outro em que ele fala "fácil".
Saiba mais sobre os diálogos de Géa!
GÉA É SONORA!
O motivo para o emprego de palavras nobres, melhores (e, não, "difíceis"), no escrito Géa não é "apenas" o ventilado acima. Entre os muitos propósitos da escrita dessa obra superna, e nas esferas ou camadas superpostas em que tais propósitos se enconcham, está o do SOM!
Géa é sonora!!! Sonoríssima!!! Leia isto em voz alta! Leia também o texto que se acha sob esta ilustração! Leia e ouça isto! Leia estes excertos! Leia todos os textos sob as ilustrações de Géa neste sítio! Leia alto Géa inteira!
Eu a escrevi e a fui deletreando; em seguida, lento e lento lendo, aperfeiçoando-lhe a fluidez do texto; então a reli mais rápido, melhorando-o; aí, em leitura inda mais veloz, remelhorei-o, para dotá-lo, no mais alto grau, daquilo que é um dos meus grandes deleites, que a vida nunca deletará: a "deleitura" do SOM!...
- CCDB 10-06-2007
Não sou só eu quem fala da sonoridade de Géa - CCDB
MAS GÉA TAMBÉM É FÁCIL!!!
- CCDB 24-08-2006
Um
pouquinho mais de Homero?
E que tal Vergílio?
ESCADA EM DOIS LANCES PARA O MELHOR VERNÁCULO!
Há quem pense que Géa é difícil. Além de tudo quanto por si só significa, Geínha foi projetada para servir de escada, degraus ajustados com alta precisão, para ir iniciando a Leitora e o Leitor na língua portuguesa e os habilitar a ler Géa com toda a facilidade.
Géa também foi assim projetada e é a escada, a partir do patamar alcançado em Geínha, rumo ao nível máximo do nosso vernáculo.
Embora se complementem nesse propósito didático, Géa e Geínha são obras completas e independentes - não é preciso ler uma para ler a outra.
O livro )que(, de vocabulário facílimo, também dispensa a leitura de Géa e de Geínha, conquanto convenha ler-se logo após Géa, pois foi escrito depois. - CCDB
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